Administrando empresas

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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A questão da subcontratação, cisão, fusão e incorporação nos contratos administrativos

A vedação de que trata o inciso VI do artigo 78 da Lei 8.666/93 deve ser entendido consentâneo ao inciso XI do mesmo artigo.

VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato;
XI - a alteração social ou a modificação da finalidade ou da estrutura da empresa, que prejudique a execução do contrato; (grifo nosso)

A reorganização empresarial deve ser vista no âmbito das licitações e da gestão do contrato, como algo natural e inerente às atividades econômicas de um mercado extremamente complexo, em que as cisões, fusões, incorporações e subcontratações são absolutamente normais e freqüentes.

Isto posto, a Administração pública, enquanto instituição que também faz parte deste contexto deve analisar e avaliar estas modificações que podem ocorrer ao longo da execução dos contratos.

Cabe observar, no entanto, que da alteração da personalidade jurídica da empresa não podem decorrer prejuízos para a Administração Pública, quanto ao cumprimento integral do objeto contratual, conforme bem estabelece a parte final do inciso XI do artigo 78 da lei.
Aceitar a alteração da personalidade jurídica do Contratado é um ato absolutamente razoável, que não infringe norma legal, porquanto a Administração pública cumpriu o dever de licitar e escolheu a proposta mais vantajosa, qual seja, a proposta do Contratado.
O fato da simples alteração da pessoa jurídica, através da cisão, fusão ou incorporação, é irrelevante para os propósitos da Administração pública, cujo interesse maior é o objeto integralmente entregue e em condições de qualidade adequadas.

Assim também é, na associação do Contratado com terceiros para cumprimento do objeto contratual, através da subcontratação de serviços ou para aquisição de materiais.
Salvo as contratações realizadas por inexigibilidade de licitação, em que a pessoa física, profissional ou pessoa jurídica são contratadas para realização de objeto, cuja notória especialização ou reconhecimento, são os próprios fundamentos de sua contratação, que dão origem a contratos personalíssimos, os demais contratos celebrados pela Administração pública, podem, data vênia ter a figura do Contratado alterada, desde que isso não prejudique a execução do contrato e que seja aceito pela Administração.

Cabe lembrar o Acórdão 634/2007, Plenário, relator Min. Augusto Nardes (TCU)

“Nos termos do art. 78, inciso VI, da Lei 8.666/1993, se não há expressa regulamentação no edital e no termo de contrato dispondo de modo diferente, é possível, para atendimento ao interesse público, manter vigentes contratos cujas contratadas tenham passado por processo de cisão, incorporação ou fusão, ou celebrar contrato com licitante que tenha passado pelo mesmo processo, desde que: (1) sejam observados pela nova pessoa jurídica todos os requisitos de habilitação exigidos na licitação original; (2) sejam mantidas as demais cláusulas e condições do contrato; (3) não haja prejuízo à execução do objeto pactuado; e (4) haja a anuência expressa da Administração à continuidade do contrato”.

Ressalto ainda o Acórdão 1108/2003, Plenário TCU

...”imperioso que a empresa resultante da fusão, cisão ou incorporação preencha os mesmos requisitos de habilitação exigidos inicialmente. O preenchimento desses requisitos resguarda a administração de possíveis problemas que poderiam ocorrer em cada um desses processos, como o comprometimento da saúde financeira da empresa, a perda da capacidade técnica para executar determinados serviços (no caso de uma cisão, por exemplo), ou a ausência de regularidade fiscal da empresa sucessora. Tal necessidade é, ate mesmo, uma conseqüência do art. 55, inciso XIII da Lei nº 8.666/93, que estabelece que o contratado deve manter, durante todo o contrato, as condições de habilitação exigidas na licitação”.

Nos dizeres de Marçal Justen:

“Quando a lei se refere à modificação “não admitidas no edital e no contrato”, isso não significa exigência da prévia e explícita autorização para substituição do sujeito. Interpretação dessa ordem conduziria, aliás, a sério problema prático. É que nenhum edital prevê, de antemão, a livre possibilidade de cessão de posição contratual. Nem teria sentido promover licitação e, concomitantemente, estabelecer que o vencedor poderia transferir, como e quando bem entendesse, os direitos provenientes da contratação. Essa não é a regra norteadora da contratação administrativa” (grifo nosso).

No que se refere à subcontratação, a conclusão é pela possibilidade insofismável desta operação, uma vez que o artigo 78 inciso VI define como motivo de rescisão: a subcontratação total ou parcial do seu objeto não admitida no edital e no contrato.
Trata-se de inexorável garantia da lei à subcontratação total do objeto. Do contrário, este inciso não estaria fazendo referência à subcontratação total, visto que a lei não contém palavras inúteis, tendo estas sempre algum significado. Há que se verificar, contudo, a vontade da lei.

À primeira vista, a lei somente permitiria a subcontratação de algumas partes do objeto do contrato, e não a sua totalidade, se interpretado isoladamente a norma do artigo 72 da lei de licitações:

Art. 72. O contratado, na execução do contrato, sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, poderá subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela Administração.

Contudo, com o auxílio do inciso VI do citado artigo 78, é possível conhecer a vontade do legislador. Ambos os preceitos entrelaçam-se,  intimamente, e não podem ser analisados isoladamente, por fazerem parte de um mesmo diploma legal e exigir que o aplicador do direito tenha uma visão sistêmica da norma.

Com efeito, cabe citar DIÓGENES GASPARINI:

“ o Estatuto Federal Licitatório vai mais além e admite a subcontratação total ( toda a execução do contrato passa para um terceiro sem que o subcontratante  se desvincule do contrato)  do objeto e a cessão ( transferência total ou parcial dos direitos decorrentes do contrato a terceiro, com o cedente desvinculando-se no todo ou em parte do contrato cujos direitos foram cedidos), se essas operações estiverem previstas e reguladas no edital. Observe-se que o Estatuto Federal Licitatório só considera motivo de rescisão contratual a subcontratação, total ou parcial, e a cessão e a transferência, total ou parcial, se não previstas no edital e no contrato. Consignadas no instrumento convocatório, essas operações são válidas, desvinculando-se ou não, em parte ou por completo, o contratado do contratante. Não cabe, assim, falar-se em fraude à licitação, ainda que alguém não selecionado por esse procedimento, acabe por relacionar-se contratualmente com a Administração Publica”( Direito Administrativo, Saraiva, 4ª edição, 1995, pg. 396/7). (grifo nosso)

Embora se trate de tema delicado no âmbito das licitações, a tese aqui proposta, firma-se em entendimentos doutrinários e jurisprudenciais cujas proposições nos permitem assegurar que a subcontratação, cisão, fusão ou incorporação podem ser aceitas, desde que, é claro, não resultem em prejuízos para a Administração.

Fontes: Direito Administrativo, Saraiva, 4ª edição, 1995, pg. 396/7, Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, Dialetica, 14° Edição, 2010 pg.845